AS CONSEQUÊNCIAS DO PECADO DE ADÃO PARA A HUMANIDADE

 

Recentemente uma das minhas noras me mandou uma foto da sua avó com a seguinte mensagem: “sogro, veja como minha avó já está velhinha”. Lhe respondi - Essa é a lei da vida. Logo ela argumentou: “Seria bom que ficássemos jovens por toda a vida”. Repliquei – O envelhecimento faz parte do processo de morte como consequência do pecado de Adão. -  "Sogro, o pecado de Adão trouxe tantas consequências para a humanidade, não foi? A Bíblia fala alguma coisa sobre este assunto? Porquê você não escreve sobre isto?" - Então lhe agradeci pela sugestão.

Pois bem, motivado pela sugestão da minha nora, busquei ver o que dizem os pais da igreja, os teólogos atuais e a Bíblia, com o propósito de melhor entender e me fazer claro sobre este tema tão relevante, principalmente para falar da graça de Deus e da doutrina da salvação.

Inicialmente vamos tentar entender um assunto do qual calvinistas e arminianos divergem, “o livre arbítrio”. Refletindo sobre esta questão, necessário se faz a formulação da pergunta: Deus deu ou não a Adão a capacidade de decidir? O teólogo e filósofo Agostinho[1], mais conhecido como santo Agostinho, acreditava que o livre-arbítrio é a capacidade humana de escolher entre o bem e o mal. Ele ainda acreditava que essa capacidade foi dada por Deus aos seres humanos para que pudessem escolher livremente amá-lo ou afastar-se dele[2]. Armínio[3], concordava com Agostinho na defesa de que o homem recebeu de Deus a capacidade de decidir entre obedecer e desobedecer. Ele defendia que Deus não criou o homem para pecar. O pecado foi uma ofensa do homem a Deus, uma vez que a ele foi dada a capacidade de decidir. Aqui já começamos a entrar em uma outra doutrina também conflitante, “a predestinação”, da qual abordaremos mais adiante. Jonh Calvino divergiu totalmente de Armínio e Agostinho. Ele era um defensor da “predestinação absoluta” e que o homem, por si só, nunca teve a capacidade de escolher. Também considera absurda a teoria do livre arbítrio formulada por Agostinho[4].

A teoria da “predestinação absoluta” formulada por Calvino defende que o homem, por si só, é incapaz de decidir obedecer ou desobedecer a Deus, e que, o perdão dos pecados e a salvação pela graça é um ato exclusivo de Deus, que predestinou uns para a salvação e outros para a condenação. Ninguém que não tenha sido eleito por Deus para a salvação poderá fazer algo que o torne capaz de ser alvo da graça salvadora. Não é nosso propósito aprofundar as discussões sobre essas teorias doutrinárias conflitantes neste artigo por dois motivos: o primeiro porque o tema exige uma discussão e análise profunda e específica e; segundo, porque nosso propósito é tratar do pecado de Adão, denominado pelos teólogos como “pecado original”, numa linguagem capaz de alcançar a compreensão clara dos leitores leigos.

O que a Bíblia diz sobre estes temas doutrinários? Não existe no texto bíblico a expressão “livre-arbítrio” utilizada por Agostinho. Entretanto, a Bíblia revela que Deus, ao criar o homem e ter construído o jardim do Éden para que fosse sua morada (Gênesis 2:8), disse:

E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar. E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás. (Gênesis 2:15-17 - ACF).

Neste texto bíblico fica muito claro que Deus deu ao homem a capacidade e a liberdade de decisão. Comer ou não comer do fruto da ciência do bem e do mal dependia de Adão. Qualquer decisão que ele tomasse teria consequência - vida ou morte. Falando ainda sobre a liberdade de decisão, vejamos o que diz Josué ao povo de Israel quando estes estavam inclinados para a adoração dos deuses egípcios e dos povos que habitaram a terra prometida antes de ser conquistada por Israel:

Agora, pois, temei ao Senhor, e servi-o com sinceridade e com verdade; e deitai fora os deuses aos quais serviram vossos pais além do rio e no Egito, e servi ao Senhor. Porém, se vos parece mal aos vossos olhos servir ao Senhor, escolhei hoje a quem sirvais; se aos deuses a quem serviram vossos pais, que estavam além do rio, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais; porém eu e a minha casa serviremos ao Senhor. (Josué 24:14-15 – ACF).

        Deus fez o homem conforme sua imagem e semelhança, dando-lhe atributos que são inerentes a Ele, o Senhor. Dentre estes atributos estão a capacidade de decidir e dominar (Gênesis 1:26-27). Como parte desta capacidade dada por Deus o homem decide crer no Senhor ou rejeitá-lo. Jesus disse:

“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. [...] Quem crê não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” (João 3:16,18 -ACF).

            O texto, dentro do seu contexto, explica-se por si só, que o crer ou não depende do homem. A graça salvadora somente age na vida dos que creem. Não há imposição da parte de Deus, nem está condicionada ao fato dele estar ou não predestinado. Deus amou o mundo, portanto, todas as pessoas, não só os predestinados. Na grande comissão ele disse: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. “Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer está condenado.” (Marcos 16: 15-16). Novamente a salvação abrange todas as pessoas, desde que elas creiam. É sempre o homem quem decide. Paulo disse: “Se você confessar com a sua boca que Jesus é o Senhor e crer em seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos serás salvo” (Romanos 10:7 – NVI). Calvino discorda desta linha de pensamento, afirmando que a salvação somente alcançará os predestinados com base no que diz Romanos 8:29-30 e Efésios 1: 5,11. Daí se vê que ambas as teorias, tanto a arminiana quanto a calvinista encontram fundamentação bíblica, o que exige uma análise bíblica contextualizada exaustiva. Por mais que este tema seja debatido, a discussão nunca estará fechada. É presunçoso ou ingênuo pensar que já temos uma resposta como verdade absoluta.

            Adão pecou porque ele decidiu pecar, não porque Deus o predestinou ao pecado, defende Armínio[5]. Ao plantar a árvore da ciência do bem e do mal no meio do jardim, Deus estava colocando diante do homem duas possibilidades de escolha - a vida ou a morte. É claro que na sua onisciência Deus sabia que Adão iria pecar, da mesma forma que sabia que o filho da alva, Lúcifer, pecaria também. Contudo, mesmo sabendo, não interferiu na decisão de ambos, porque o respeito às leis que Ele mesmo criou faz parte do caráter do criador. Agostinho foi um defensor desta teoria[6]. Com base no que defendem Agostinho e Armínio, pode-se afirmar que foi justamente por Deus saber o que iria acontecer, que antes da fundação do mundo e da criação do homem ele preparou um antídoto (Apocalipse 13:8; Hebreus 4:3). Calvino também concordou com a tese do livre-arbítrio de Adão, afirmando que a ele foi dada esta capacidade de decisão. Entretanto o poder de decidir se limitou exclusivamente ao primeiro homem, enquanto ele estava no Éden em seu estado original. Ainda afirma que o princípio do livre-arbítrio não tem efeito prático nas gerações seguintes, uma vez que foram contaminadas pelo pecado. Como o pecado é parte da natureza humana, os seres humanos não possuem a liberdade de decidir por não pecar e a graça salvadora somente alcançará os predestinados.

            O pecado de Adão trouxe graves consequências para a humanidade, justamente porque Ele errou o alvo e decidiu ceder à tentação, embora tivesse a capacidade de resistir (Tiago 1:12; 1 Coríntios 10:13; Tiago 4:7). O pecado de Adão foi um ato de infidelidade, de deliberada desobediência, fazendo com que toda a humanidade fosse degenerada em sua essência (ontologicamente) pelo pecado. É o que os teólogos chamam de “pecado original”, termo que, embora não faça parte do texto bíblico, está evidente no cânon sagrado. “Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos justos.” (Romanos 5:19 -ACF).

Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só. [...] Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Romanos 3:10-13, 23 – ACF).

            O pecado de Adão foi a maior tragédia que a humanidade já sofreu. Todas as tragédias que temos vivido ao longo da nossa história são consequências deste pecado. Deus disse - “porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” (Gênesis 2:17). O primeiro grande efeito da morte foi sentido pelo homem quando este ainda estava no jardim do Éden. A presença de Deus que antes era certa e desejada, transformou-se num sentimento de medo (Gênesis 3:10). O medo se manifesta quando temos algum pressentimento real de ameaça. Naquele momento a morte espiritual - termo que sempre significa separação - demonstrou-se real na vida de Adão. A nudez percebida pelo primeiro casal era uma evidência de que a imagem e semelhança de Deus estava corrompida. Toda a humanidade estava contaminada pelo pecado que, a partir do que aconteceu no Éden, passou a fazer parte da nossa natureza.

            Que outros efeitos o pecado de Adão trouxe para a humanidade? A terra se tornou maldita como consequência. Esta também é uma consequência que alcança toda a humanidade. A terra começou a produzir ervas que iriam prejudicar a agricultura, exigindo do homem esforço para combatê-las na lida de retirar seu sustento diário (Gênesis 3:17-19). As catástrofes e as intempéries naturais passaram a fazer parte da história da humanidade. A maldição da terra trouxe desequilíbrios ecológicos, climáticos e meteorológicos que produzirão, por toda a nossa história, alterações no “habitat” que Deus construiu em total equilíbrio. Fauna, flora, oceanos, terra e céus estavam em perfeita sintonia. A partir do pecado de Adão esta sintonia foi corrompida e os desequilíbrios afetam nossa vivência diária e se intensificam a partir das ações do homem que insiste em agredir a natureza na busca desenfreada de conquistar poder. Na atualidade sofremos a agressividade cada vez mais forte dos eventos climáticos que produzem enchentes, tempestades, furacões, aquecimento dos oceanos, inundações de áreas antes secas e outros efeitos por todos nós conhecidos. A terra está reclamando a dor da maldição e se levantando contra a humanidade pecadora.

            O processo de morte trouxe para a humanidade doenças que afetam nossa saúde e longevidade, nos empurrando em uma rotina de subida e descida, que culmina no envelhecimento do corpo e, por conseguinte, na morte física. Nada mais devastador para a humanidade do que a morte física. É ela quem torna palpável o significado da morte. A morte física separa o corpo da alma e do espírito, da família, dos amigos e da sociedade, levando para a sepultura sonhos, planos e projetos. O efeito separador da morte é cruel (Lucas 16:26) e ninguém, por mais que ache que sim, está preparado para enfrentá-lo. Como consequência do pecado de Adão, ou o “pecado original”, causa-nos desespero vermos, não somente a nós, mas também todos aqueles a quem amamos internados em um hospital. Também é muito difícil lidar com velórios e sepultamentos. Essa é a manifestação por demais dolorida da morte.

            Precisamos também refletir sobre a morte espiritual e a morte eterna que são, sem dúvida, as consequências mais drásticas do pecado. O lado cruel da morte espiritual, fruto do pecado de Adão, está muito bem descrito no livro do profeta Isaías, capítulo 59 (sugiro que leia). Falando de separação o profeta diz no versículo 2 - “Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não vos ouça”. Sobre a morte eterna, falando do estado pós-morte do rico e Lázaro, Jesus disse aos seus discípulos: “E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá passar para cá” (Lucas 16:26). A morte eterna é o distanciamento eterno entre Deus e o homem (Apocalipse 20:14; Romanos 6:23). Somente em Jesus podemos nos livrar da morte eterna (João 5:24).

            O “pecado original”, apesar de não estar textualmente descrito na Bíblia, se apresenta de forma inconteste no texto sagrado, que não somente o evidencia, mas mostra que suas consequências são reais. Essa é uma teoria teológica defendida por Agostinho, Calvino, Armínio e teólogos atuais calvinistas ou arminianos. O homem peca porque ele é pecador, o pecado é parte da natureza humana. Davi disse: “Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe” (Salmos 51:5 - ARC). Todos pecaram, sem exceção (Romanos 3:23). É por isso que “[...] a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens" (Tito 2:11). Não há como negar que o pecado de Adão trouxe graves consequências para a humanidade e a terra onde habitamos. Somente por meio de Jesus é possível restabelecer o relacionamento com Deus que foi perdido no Éden (João 14:6; Romanos 5:10,17).

            Este artigo não busca esgotar a discussão sobre este tema que é de grande relevância para que possamos compreender o alcance da graça salvadora de Deus e o plano divino de salvação consumado por Jesus na cruz. As divergências entre calvinistas e arminianos continuam abertas e as discussões sem perspectivas de serem encerradas. Estudar estes temas nos levará fatalmente à necessidade de aprofundamento no conhecimento da Palavra de Deus e de tudo o que a Bíblia fala sobre o que Deus planejou, Jesus executou e o Espírito Santo está aplicando, no sentido restaurar a comunhão perdida. Que o Senhor nos ajude!

 

Pr. Gilvan de Sousa/Aracaju-SE

@pr.gilvan.sousa

 

 

Referências:



[1] Agostinho (354 a 430) foi um teólogo, filósofo romano e escritor, bispo na igreja ao norte da África, durante a dominação romana. Seus escritos muito influenciaram a igreja Católica Romana na formulação das suas doutrinas.

[2] Disponível em: Desvendando a Origem do Mal segundo Santo Agostinho (listologia.com), de autoria do listologista Pedro Borges. Acessado em 25/06/24

[3] Jacob Armínio (1560 – 1609) foi um teólogo protestante holandês que formulou teorias teológicas sobre a doutrina da salvação, abrangendo predestinação e graça, discordante das teorias de Jonh Calvino. O conjunto de doutrinas defendidas por Armínio foi adotado pelas igrejas pentecostais.

[4] Disponível em: Iba Mendes: O Conceito de Livre Arbítrio em João Calvino. Acessado em 28/06/24.

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