JESUS PEDIU AO PAI: QUE TODOS SEJAM UM
Pr. Gilvan de Sousa
Na noite da celebração da páscoa Jesus ora ao
Pai pedindo-lhe basicamente duas coisas importantes (João 17): em primeiro
lugar, Ele pede ao Pai que lhe seja devolvida a glória que tinha antes que o
mundo existisse (v. 5); em segundo lugar, ora por seus discípulos e também por
aqueles que iriam crer Nele por meio da Palavra (v. 20). Ao orar por seus
discípulos e pela igreja do futuro, o Senhor faz um pedido enfático ao Pai em
favor da unidade dizendo: Pai, quero que
todos sejam um, assim como nós, para que o mundo creia que tu me enviaste
(vv. 11, 21-22). A unidade tem tanta importância para Jesus que Ele repete,
insistentemente, o pedido por três vezes.
No versículo 21 o Senhor demonstra que as
pessoas creriam Nele por meio da Palavra, à medida que a igreja fosse crescendo
em unidade. A unidade traz saúde, força e embeleza o corpo místico de Cristo, a
Igreja. É por meio da unidade que a igreja se torna capaz de exalar o cheiro do
amor de Cristo demonstrado na cruz. É a unidade que dá à igreja do Senhor
autoridade para anunciar o Evangelho que é poder de Deus e salvação para todo
aquele que crê (Romanos 1:16). É a unidade que demonstra também que realmente
estamos ligados em Cristo, (João 17:21) a videira verdadeira (João 15:1-5).
Não estamos falando de união, mas de unidade.
Embora os termos pareçam sinônimos, conceitualmente há diferença entre eles que
muitos pregadores e pensadores não conseguem diferenciar e tratam como se fosse
a mesma coisa. União é um termo que se origina do latim “unus” e significa reunir,
associar ou combinar vários elementos, semelhantes ou diferentes com o intuito
de formar um conjunto. Já unidade tem origem no grego “monos” e significa único,
isolado, sozinho[i].
Tanto no grego quanto no latim o significado é o mesmo.
A essência do Evangelho se manifesta através da
unidade dos cristãos. O ramo que não estiver ligado na videira e por
consequência nos demais ramos não pode dar fruto (João 15:4). Por conseguinte,
o ramo que não dá fruto é cortado e queimado (João 15:6), ou seja, ramo queimado
não existe. Igreja que não persegue a unidade não passa de organização
religiosa sem vida, presa a seus dogmas e liturgias. O apóstolo Paulo
escrevendo aos Coríntios, igreja cuja unidade estava ferida de morte, comparou
a igreja de Cristo a um corpo (1 Coríntios 12:12). Corpo é um conjunto que,
embora possua muitos membros, todo eles são interligados entre si e dependem uns
dos outros. A amputação ou retirada de algum membro ou órgão interno faz com o
corpo perca a capacidade de funcionamento saudável, sem limitações. Apesar do
corpo possuir capacidade de adaptação quando lhe é retirado algum membro,
jamais ele conseguirá funcionar como antes. A saúde do corpo depende do
funcionamento integral de todos os seus membros.
A preocupação de Jesus com a unidade da igreja
tinha razões claras. Vemos que entre os doze apóstolos já havia uma preocupação
sobre quem seria o maior. Logo depois do evento da transfiguração os discípulos
chegaram a Jesus fazendo-lhe uma pergunta: “[...] ¹ Quem é o maior no reino dos céus?
“(Mateus 18:1b). Aqui podemos traduzir a pergunta para o contexto de hoje, eles
queriam saber quem seria o chefe, o superior na linha hierárquica, ou seja, eles
não entenderam que no Reino de Deus só há lugar para servos, não há espaço para
senhores. Jesus disse a eles que deveriam ser humildes como as crianças se
quisessem entrar no Reino (Mateus 18:2-4).
Apesar do ensinamento do Senhor, o desejo de
superioridade não ficou pacificado no coração dos apóstolos. Pouco tempo depois
a mãe de dois deles (Tiago e João) se aproximou de Jesus e fez-lhe um pedido:
“²¹ [...] Dize que estes meus dois filhos se assentem, um à tua direita e outro à
tua esquerda, no teu reino.” (Mateus 20:21b). O pedido causou
indignação dos outros apóstolos contra os dois irmãos e um clima que poderia
abalar severamente a unidade (Mateus 20:24). Como grande e supremo Mestre,
Jesus chamou os dois irmãos em particular e disse-lhes:
²⁵ Bem sabeis que pelos príncipes dos gentios
são estes dominados, e que os grandes exercem autoridade sobre eles. ²⁶ Não
será assim entre vós; mas todo aquele que quiser entre vós fazer-se grande seja
vosso serviçal; ²⁷ E, qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, seja vosso
servo; ²⁸ Bem como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir,
e para dar a sua vida em resgate de muitos. (Mateus 20:25-28).
A luta desenfreada pelo poder é uma doença que compromete
severamente a unidade da igreja de Jesus. Ele não anda nem um pouco satisfeito
com o que está acontecendo e o que muitos estão fazendo sem a mínima
preocupação com aqueles que hão de crer em Jesus por meio da Palavra. Desde os
primórdios da igreja, a unidade deixou de ser um valor, um princípio para
grande parte dos cristãos. O que é valor na atualidade para muitos daqueles que
se dizem líderes é o quanto ele terá de poder, não importa se seu objetivo egoísta
vai contribuir para esfriar a fé de muitos ou semear o descrédito na igreja do
Senhor e do nome de Jesus. O apóstolo Paulo advertiu a Timóteo sobre pessoas
que maculariam a igreja de Cristo dizendo:
² Porque haverá homens amantes de si mesmos,
avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães,
ingratos, profanos, ³ Sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores,
incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, ⁴ Traidores, obstinados,
orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, ⁵ Tendo aparência
de piedade, mas negando a eficácia dela. (2 Timóteo 3:2-5).
Pela vaidade e arrogância de homens, que amam
mais a riqueza e o poder do que a Deus, a igreja de Cristo ao longo da história
vem sofrendo grandes reveses. É a falta de unidade que leva a igreja à perda de
credibilidade perante a sociedade e que também contribui com o aumento
exponencial do número de desigrejados, em todos os países denominados cristãos,
inclusive no Brasil. A igreja nunca foi tão escarnecida e usada para afins
escusos como tem sido na atualidade, isso é consequência das atitudes de
líderes que somente pensam em si, que buscam o poder a qualquer custo, mesmo
que o preço seja a morte espiritual de muitos por desacreditarem no Evangelho. Não
creem estes que tais atitudes podem lhes custar muito caro. Vejamos:
⁶ Mas, qualquer que escandalizar um destes
pequeninos, que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço
uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar.⁷ Ai do mundo, por
causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele
homem por quem o escândalo vem! (Mateus 18:6-7).
A falta de unidade também tem sido um campo
fértil para a apostasia, para a expansão de falsas doutrinas e o surgimento de
falsos mestres que intencionalmente distorcem o Evangelho de Cristo a ponto de
se tornarem anátema, por pregarem um outro evangelho (Gálatas 1:8). São estes
que se juntam a políticos ou assumem cargos públicos sob a alegação de defesa
do evangelho quando na verdade estão fazendo exatamente o contrário. Hoje a
igreja não está somente dividida por questões doutrinárias. O principal
causador das divisões tem sido a guerra desenfreada pelo poder e as ideologias
político-partidária, de direita e de esquerda, que em nada louvam ou engrandecem
o nome de Jesus. Quem fortalece a igreja não são os políticos nem a legislação,
mas a unidade.
Se a oração de Jesus era atual para a sua
época, parece ser muito mais atual hoje. A igreja de Cristo necessita tomar
urgentemente novo rumo, precisa voltar ao início, ao primeiro amor (Apocalipse
2:4), a ser um corpo. Se ela não é corpo não é organismo. Se não é organismo
não tem vida.
As marcas da igreja primitiva era a unidade, a
comunhão e a humildade. Foram estas marcas que fizeram com que a igreja caísse
na graça de todo o povo e o Senhor acrescentasse o número dos que haviam de se
salvar (Atos 2:46-47). Foi nesta igreja que os milagres verdadeiros
aconteceram, onde milhares de almas foram salvas, onde os dons se manifestavam
poderosamente. Esta era a igreja que não tinha prata nem ouro, mas seus líderes
tinham autoridade de dizer ao paralítico levanta e anda (Atos 3:6). Nela os que
criam no Evangelho conheciam a Jesus verdadeiramente. Hoje vemos agrupamentos
religiosos abarrotados de pessoas que se denominam cristãos, mas que não vivem
a essência do cristianismo nem conhecem a Cristo. Nestes agrupamentos é
possível ver espetáculos onde se realizam falsos milagres com um único
propósito: atender interesses de homens inescrupulosos que usam as massas
incautas e desconhecedoras da Palavra de Deus para colocarem em prática seu
projeto de poder e enriquecimento em nome de Deus.
Concluindo, podemos afirmar que: a) a igreja
cristã está a cada dia mais se afastando de Cristo; b) que a unidade da igreja
tem se tornado uma utopia apesar do desejo do Senhor continuar em vigor; c) a
igreja só será um organismo vivo, um corpo, se o que a Palavra de Deus nos
ensina sobre a unidade se torne uma prática diária de todos, incluindo as
lideranças.
A oração de Jesus, conhecida como “Oração
Sacerdotal” continua ecoando em todos os lugares, inclusive nos templos. O
Senhor continua pedindo ao Pai:
²¹ Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o
és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia
que tu me enviaste. ²² E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que
sejam um, como nós somos um. ²³ Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam
perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e
que os tens amado a eles como me tens amado a mim. (João 17:21-23).
Este é o propósito de Jesus. O que passar disso
é pura religião, não cristianismo verdadeiro. Que o Senhor nos ajude!
[i]
Disponível em: https://www.google.com/search?q=uni%C3%A3o+etimologia+no+grego.
Acessado em 04/10/2023.
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