QUEM DE FATO APARECEU A SAUL EM EN-DOR?
Vamos
começar nossa reflexão entendendo qual era a situação espiritual de Saul quando
ele decidiu consultar a feiticeira em En-Dor. Logo depois de haver sido
confirmado rei por Samuel, pelo Senhor e pelo povo em Gilgal (1 Samuel
11:12-15), o egoísmo começou a dominar sua mente quando ameaçado pelos
filisteus, em sua arrogância se apropriou do ofício sacerdotal para oferecer
holocausto, pelo fato do profeta Samuel não ter aparecido quando os soldados
estavam em apuros (1 Samuel 13:6-9). A atitude de Saul foi reprovada por Samuel
e pelo Senhor Deus que decidiu tomar o reino dele (1 Samuel 13:13-14),
informando-lhe, por meio do profeta, que “seu
reino não subsistiria”, porque já tinha buscado “um homem segundo o seu coração” (Atos 13;22).
A
partir deste ato de desobediência aos preceitos de Deus o reinado de Saul
entrou em decadência. A atitudes do rei demonstravam sua insensatez somente
piorava, como por exemplo: proibir os soldados de se alimentarem, mesmo estando
exaustos e famintos. Seu filho Jônatas, sabedor do desequilíbrio emocional do
pai, desobedeceu a ordem e foi vitorioso na luta contra os filisteus. Apesar da
vitória, em mais um ato de loucura, Saul ordenou a morte do seu filho,
provocando a revolta do povo, que decidiu desobedecer ao rei e proteger a
Jônatas seu filho (1 Samuel 14: 24-46).
Após
as vitórias sobre outros povos e os filisteus, Deus ordenou a Saul que
destruísse por completo os amalequitas, povo que perseguiu a Israel quando
vinham do Egito para Canaã (Êxodo 17:8-16). Pela atitude deste povo Deus
determinou que seriam totalmente destruídos quando o Senhor desse repouso a seu
povo (Deuteronômio 25:17-19). Cumprindo sua Palavra o Deus mandou Saul destruir
totalmente os amalequitas, desde os seres humanos até os animais (1 Samuel
15:1-3). Seguindo parcialmente a ordem do Senhor, Saul destruiu o povo, mas
poupou o rei Agague e o melhor das ovelhas e vacas (1 Samuel 15:7-9). A
obediência incompleta de Saul irritou ao profeta Samuel e a Deus. Por causa
disto, Samuel matou a Agague e repreendeu Saul dizendo:
²² Porém
Samuel disse: Tem porventura o Senhor tanto prazer em holocaustos e
sacrifícios, como em que se obedeça à palavra do Senhor? Eis que o obedecer é
melhor do que o sacrificar; e o atender melhor é do que a gordura de carneiros.
²³ Porque a rebelião é como o pecado de
feitiçaria, e o porfiar é como iniqüidade e idolatria. Porquanto tu rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou a
ti, para que não sejas rei. (1 Samuel 15:22,23).
Se
vê pelos relatos bíblicos que o processo de decadência espiritual de Saul foi
progressivo. Buscando um homem segundo seu coração (Atos 13:22), Deus mandou
Samuel ungir a Davi como novo rei de Israel. Enciumado com o que Deus estava
fazendo através de Davi, Saul empreendeu uma verdadeira caçada ao filho de
Jessé, apesar das demonstrações de que o Senhor estava com ele. O plano de Saul
era matar Davi, demonstrando claramente que seu relacionamento com Deus havia
sido interrompido. A Bíblia diz: ¹⁴ E o
Espírito do Senhor se retirou de Saul, e atormentava-o um espírito mau da parte
do Senhor. ¹⁵ Então os criados de
Saul lhe disseram: Eis que agora o espírito mau da parte de Deus te atormenta;
(1 Samuel 16:14,15).
Um fato a
considerar é que, mesmo desviado do caminho do Senhor, após a morte de Samuel,
Saul expulsou do território de Israel os médiuns e os espíritas (1 Samuel 28:3)[1],
ficando evidente de que ele sabia que o Deus de Israel condenava a prática da
feitiçaria e da consulta aos mortos, mas ele preferiu ser desobediente à
Palavra de Deus.
Foi neste
estado de espiritualidade deplorável que Saul, sentindo-se abandonado por Deus
por causa da sua rebeldia e desobediência ao Deus de Israel, sendo de novo
afrontado pelos filisteus, em desespero, consultou ao Senhor, “ ⁶
porém o Senhor não lhe respondeu, nem por sonhos, nem por Urim, nem por
profetas.” (1 Samuel 28:6).
Totalmente
desprezado e com seu reino despedaçado, em mais um ato de desespero “⁷ Saul disse aos seus servos: — Procurem uma mulher que seja médium, para
que eu me encontre com ela e a consulte.
Os servos responderam: — Há uma mulher em En-Dor que é médium.” (1
Samuel 28:7).
Conhecendo agora
toda a vida pregressa de Saul, vamos à pergunta: Quem de fato lhe apareceu em En-Dor?
Este é um tema controverso que tem levado teólogos a defenderem posicionamentos
diferentes sobre este assunto.
Há os que
acreditam que de fato Saul se comunicou com Samuel. Outros defendem que Saul
foi enganado pela médium. Os que defendem essa segunda tese consideram que a
médium enganou a Saul por ter se sentido ameaçada, já que o rei tinha mandado
expulsar todos os médiuns e espíritas do território de Israel.
Dennis
Downing, defensor de que Saul de fato se comunicou com Samuel, argumenta
dizendo: “A evidência mais convincente de que Saul de fato se comunicou com o
profeta morto Samuel é o testemunho da própria Bíblia”[2]. Referindo-se
o autor à hermenêutica, como ciência da interpretação de textos, defende como
regra interpretativa a literalidade do texto. Granjeiro Sobrinho, (1913)[3],
argumenta que a hermenêutica bíblica, estabelece como princípio que a
interpretação de textos bíblicos deve basear-se na regra que a Bíblia
interpreta-se a si mesma; que devemos analisar o texto com base no contexto
próximo e remoto, paralelos precedentes ou procedentes e ainda pela leitura
contínua e dependência do Espírito Santo, sabendo que Deus não se contradiz.
Além de Downing, outros teólogos e hermeneutas contemporâneos defendem a tese
do aparecimento de Samuel a Saul em En-Dor por mediação da médium, contrariando
princípios básicos da hermenêutica bíblica e tudo o que a Bíblia fala condenando
a prática da feitiçaria e consulta aos mortos.
Estabelecendo
regras acerca da idolatria, pecado que fere frontalmente a santidade de Deus, o
Senhor Deus disse: “¹⁸ — A feiticeira
você não deixará viver.” (Êxodo 22:18). Disse ainda: “²⁷ — O homem ou a mulher que for necromante ou
feiticeiro será morto; será apedrejado; o seu sangue cairá sobre ele.“ (Levítico
20:27). Não há possibilidade de comunicação entre vivos e mortos. Falando do
rico e Lázaro, quando o rico pediu ao pai Abraão que mandasse alguém pregar aos
seus irmãos ele respondeu: “³¹ Se não ouvem Moisés e os Profetas, também
não se deixarão convencer, mesmo que ressuscite alguém dentre os mortos."
(Lucas 16:31). Vejamos que Abraão não fala de reencarnação, nem de manifestação,
nem de aparição por invocação mediúnica, só de ressurreição. O escritor aos
Hebreus disse que “[... aos homens está
ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disso, o juízo [...],” (Hebreus
9:27). A feitiçaria ou a mediunidade é condenada por toda a Bíblia, desde o
Antigo ao Novo Testamento. Samuel repreendendo a Saul, por sua desobediência a
Deus, comparou a feitiçaria ao pecado de idolatria (1 Samuel 15:23). O apóstolo
Paulo disse que a feitiçaria é obra da carne e quem a pratica não herdará o
reino de Deus (Gálatas 5:20-21). Será que Deus usaria de um meio que Ele
condena para falar com um rei rejeitado por sua desobediência ao Senhor? Porque
Deus não respondeu pelos meios tradicionais: por sonhos, Urim ou pelos profetas (1 Samuel 28:6), preferindo
fazer o profeta falecido manifestar-se pela invocação do espírito de
mediunidade? Com certeza Deus não contrariaria a convicção de Samuel, que disse
a Saul que a feitiçaria é pecado (1 Samuel 15:23). O Senhor é aquele que não
muda (Malaquias 3:6). O sábio Salomão disse: Porque os vivos sabem que vão morrer, mas os mortos não sabem nada e
não têm nenhuma recompensa a receber, porque a memória deles jaz no
esquecimento. ⁶ Amor, ódio e inveja para eles já não existem mais; eles estão
afastados para sempre de tudo o que se faz debaixo do sol.” (Eclesiastes
9:5,6).
Voltemos ao
relato bíblico. Samuel já estava morto e Saul havia expulsado do território de
Israel todos os médiuns (feiticeiros) e adivinhos. Saul apavorado e com medo
dos filisteus consultou a Deus, “⁶ porém o Senhor não lhe respondeu, nem por
sonhos, nem por Urim, nem por profetas.” (1 Samuel 28:6). Desesperado, manda os seus servos buscarem uma
mulher que tivesse o espírito de mediunidade e estes lhe informaram haver em En-Dor
uma mulher que era médium. Para encontrar com a mulher, Saul vestiu um
disfarce, o que demonstra que ele tinha consciência de que não devia consultar
a uma médium às claras, pedindo que pelo espírito de adivinhação fizesse subir
a quem ele dissesse. A mulher falou ao “suposto desconhecido” que Saul havia
mandado destruir os encantadores e os adivinhos. O atendimento ao pedido feito
pelo “desconhecido” a poria em risco de morte. Ainda desconhecido, Saul jurou
que a mulher nada sofreria, o que a levou a perguntar: “¹¹ — Quem você quer que eu faça subir?” Ele respondeu:
“ – Faze-me subir a Samuel “(1
Samuel 28:11). Imediatamente a mulher gritou dizendo: “¹² — Por que você me enganou? Pois você mesmo é Saul.” (v.12).
¹³ E o rei
lhe disse: Não temas; que é que vês? Então a mulher disse a Saul: Vejo deuses que sobem da terra. ¹⁴ E
lhe disse: Como é a sua figura? E disse ela: Vem subindo um homem ancião, e está envolto numa capa. Entendendo Saul que era Samuel,
inclinou-se com o rosto em terra, e se prostrou. (1 Samuel 28:13,14)[4].
Neste
texto bíblico temos três pontos que exige atenção especial para eles, do ponto
de vista interpretativo: [...Vejo deuses que sobem da terra...]; [...Vem subindo um homem ancião, e está envolto numa capa...] e; [...Entendendo Saul que era Samuel...]. A mulher não afirmou ter
visto a Samuel, ela disse estar vendo deuses que sobem da terra. Deus é único, “⁵ Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de
mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que tu não me conheças;” (Isaías
45:5). E ainda diz: “¹¹ Eu, eu sou o
Senhor, e fora de mim não há Salvador. ¹² Eu anunciei, e eu salvei, e eu o fiz
ouvir, e deus estranho não houve entre vós, pois vós sois as minhas
testemunhas, diz o Senhor; eu sou Deus.” (Isaías 43:11,12). Não há deuses,
Deus é único. “Deuses” que sobem da terra são demônios. Deus nunca se
manifestou subindo do fundo da terra. Como Deus, ele sempre se manifesta de
cima, seu trono está nos céus. Estevão quando estava sucumbindo pelos ferimentos
do apedrejamento que sofria disse: “⁵⁶
Eis que vejo os céus abertos, e o Filho do homem, que está em pé à mão direita
de Deus.” (Atos 7:56). O segundo ponto a ser considerado é que, conforme
descreve o versículo 14, a médium não disse ter visto Samuel. Perguntada sobre como
era a figura do que ela dizia estar vendo disse: [...Vem subindo um homem ancião,
e está envolto numa capa...]. Pela descrição do personagem que ela
dizia estar vendo, Saul “entendeu”
que era Samuel, foi pura dedução sem fundamentos claros. É possível que a
figura que “supostamente” apareceu poderia ter alguma semelhança com Samuel,
afinal a fraude é uma especialidade de satanás. Paulo disse: “¹⁴ E não é maravilha, porque o próprio Satanás
se transfigura em anjo de luz.” (2 Coríntios 11:14). É importante destacar
que Saul não viu o “suposto Samuel”, somente a médium. O profeta Samuel era uma
figura muito conhecida de todo o povo israelita. Sabendo que o rei queria
encontrar-se com o profeta, fazer uma descrição de um personagem que induzia a
se pensar ser Samuel era, para aquela mulher, a melhor alternativa para estar
bem com o rei que, representava naquele momento, uma ameaça para os médiuns e
adivinhos. A fraude é clara. Uma análise à luz da hermenêutica bíblica, baseada
nos seus fundamentos básicos, fatalmente levará a qualquer estudioso da Bíblia,
comprometido com a verdade e a Palavra de Deus, a identificar o embuste
descrito neste episódio.
Os
defensores da tese de que quem apareceu a Saul foi Samuel, usam o argumento da
fala do “suposto Samuel”. É claro que satanás sabia o que Deus havia decidido sobre
a vida de Saul. A mensagem que foi entregue ao rei era uma meia verdade. Se
Deus havia rejeitado e virado as costas para Saul, que a cada dia somente afundava
na apostasia, como o profeta poderia dizer que no dia seguinte a aquele diálogo
Saul estaria junto com ele? (1 Samuel 28:19). No texto de 1 Samuel, capítulo
31, não dá indicativos de que a guerra contra os filisteus e a morte de Saul,
por suicídio, tenha ocorrido no dia seguinte. Satanás usou também de meia
verdade para enganar Eva no jardim do Éden (Gênesis 3:1-2). Saul morreu
justamente por ter consultado a feiticeira (1 Crônicas 10:13).
Concluindo,
pela análise cuidadosa, fundamentado em regras básicas da hermenêutica bíblica,
podemos afirmar que não foi Samuel que apareceu a Saul em En-Dor. É muito
provável que a figura que apareceu à médium era um demônio que tentou se passar
por Samuel, falando a Saul meia verdade, prática própria de satanás, o inimigo
das nossas almas. Também está claro que tudo não passou de uma fraude: a mulher
sabia quem Saul queria que aparecesse; sabia que Saul havia expulsado de Israel
todos os médiuns e adivinhos, representando para ela uma forte ameaça; Samuel
era uma figura conhecida e suas profecias e palavras também eram conhecidas por
todos; ela não trouxe nenhuma informação que não fosse do conhecimento de Saul.
Afirmar
que Samuel apareceu a Saul em En-Dor é negar ou desconhecer tudo que a Palavra
de Deus fala condenando a prática de consultar os mortos (Levítico 19:31;
Isaías 8:19). Como Deus que não muda, jamais seria conivente com a atitude
pecaminosa, tão somente para atender um desejo insano de um homem que havia
sido rejeitado pelo Senhor por causa dos seus pecados e rebeldia.
[1] Bíblia
Sagrada, Nova Versão Internacional-NVI e Nova Almeida Atualizada-NAA.
[2]
Disponível em: https://www.hermeneutica.com/estudos/1samuel28-01/.
Acessado em 24/10/23.
[3] Grangeiro
Sobrinho, Antonieto. Coleção do Ensino Teológico – Hermenêutica Bíblica. CPAD,
Rio de Janeiro, 1981.
[4] Bíblia
Sagrada, versão Almeida Corrigida Fiel -ACF
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